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Em resposta a "Luta de classe, Collor e Lula – um samba do afrodescendente doido"



Em resposta a "Luta de classe, Collor e Lula – um samba do afrodescendente doido". Resposta do cientista político Danilo Martuscelli ao diretor executivo do Instituto Liberal, Bernardo Santoro, a propósito da análise de Santoro, intitulada Luta de classe, Collor e Lula – um samba do afrodescendente doido.

Caro diretor executivo do Instituto Liberal, Bernardo Santoro,

Tomei conhecimento de sua análise da matéria publicada no Jornal da Unicamp sobre a minha pesquisa de doutorado, intitulada Crises políticas e capitalismo neoliberal no Brasil, defendida recentemente na própria Unicamp. 

Bem sabemos que uma matéria jornalística ou uma entrevista nunca consegue contemplar, de maneira satisfatória, todos os desenvolvimentos argumentativos presente em um trabalho acadêmico, ainda mais quando se trata de uma tese de doutorado. Reconhecendo esses limites e considerando que o debate de ideias é sempre positivo para uma melhor apreensão do mundo contemporâneo e da política brasileira das últimas duas ou três décadas, resolvi escrever uma resposta ao seu texto. No entanto, procurarei evitar o tom virulento existente no texto de sua lavra. Não utilizarei expressões ou termos como: “samba do afrodescendente doido”, “raciocínio simplista e tosco” e “teoria tão manca”. Deixemos esse expediente retórico para os lutadores de ultimate fight e passemos à discussão mais substantiva. 


Em linhas gerais, você entende que a minha análise comete quatro erros. Tomarei a liberdade de citá-los para ser fiel ao seu próprio texto: 
1)o primeiro e mais evidente a divisão da sociedade brasileira em duas classes, quando na verdade as interrelações sócio-políticas são muito mais profundas do que isso". Neste caso, você sugere que a minha análise só concebe a existência de duas classes: “explorados” e “exploradores” ou “burgueses” e “proletários”, sendo tal explicação oriunda de uma “mente marxista” que sempre comete “equívocos grosseiros”; 
2)O segundo erro, que segue o primeiro, é enxergar o empresariado como um bloco unido, o que simplesmente não é verdade”. Aqui, você aponta a necessidade de observar divisões e diferenças no seio da burguesia; 
3)O terceiro erro está na eterna redução dos problemas políticos a questões econômicas, traço típico do marxista”. Nesta passagem, você sugere que cometo o erro, muito comum na análise dos marxistas, de reduzir toda a vida social, em especial a política, à economia; 
4)O quarto erro está na própria afirmação de que os Governos Collor e Lula eram 'neoliberais', entendido no caso como sendo a favor do livre-mercado [...] O marxista tem dificuldade de entender essa relação Estado-Empresariado-Sindicatos, pois para ele empresariado e sindicatos sempre estarão em desacordo”. Ao apontar esse erro, você faz alusão ao fato de que eu teria ignorado em minha análise certas medidas intervencionistas adotadas por Collor e Lula e, além disso, critica-me por não levar em consideração a possibilidade de empresários e sindicatos entrarem em acordo em determinados momentos, indicando como prova desta aproximação a experiência do fascismo.

Diante desses quatro postulados de crítica à minha análise, sou, primeiramente, obrigado a fazer-lhe um desafio: tomando como base a matéria do Jornal da Unicamp, indique-me as passagens em que o meu argumento incorre nesses quatro “equívocos grosseiros”, para ficarmos com a sua terminologia. Provavelmente, não encontrará nenhuma citação. Isso me leva a concluir que a sua análise padece de um vício de origem, a saber: ao se incumbir de assinar um texto claramente antimarxista, imputa argumentos à minha análise que não existem nem na matéria, nem na minha tese de doutorado. O que estou afirmando é que esse “samba do crioulo do doido”, que você chama ironicamente de “afrodescendente”, não está presente em minha análise e, mais do que isso, você não oferece elementos que permitam demonstrar que suas impressões ou suspeitas sobre a minha tese estejam corretas. 

No fundo, ao procurar constituir o que representa uma “mente marxista” e quais são seus limites para explicar a política e a economia brasileiras, você foi levado a dar primazia à crítica antimarxista sem com isso levar em consideração a “verdade efetiva da coisa”, ou seja, ignorou o que afirmei e deixei de afirmar na matéria e na tese, formulando, assim, uma posição antimarxista contra um oponente imaginário. 

Vejamos mais de perto este problema. Em relação aos itens 1 e 2, caso faça uma leitura detida da matéria do Jornal da Unicamp, verá que a minha análise é bem distinta daquilo que você acredita estar em minha “mente marxista”. Indico que, nas duas conjunturas de crise política – Collor e mensalão –, os conflitos intraburgueses e as relações entre empresariado e trabalhadores nem sempre foram os mesmos. A seção Dores do parto da referida matéria expõe claramente isso [vide link]. Em nenhum momento, sustento que os conflitos se resumem às contradições capital-trabalho nem defendo que a burguesia é um todo monolítico. Se você lesse a minha tese, confirmaria isso que estou afirmando, pois desenvolvo a ideia de que as classes sociais são heterogêneas e que os conflitos não se resumem à luta entre burguesia versus proletariado. Há conflitos e divisões internos em cada uma das classes oriundos de diversas causas: divisão do trabalho, lugar na produção, política estatal etc. 

Nem mesmo o texto clássico de Marx e Engels, o Manifesto Comunista, postula a existência de duas classes. Uma análise deste conhecido texto observará que Marx e Engels falam em divisões no interior da burguesia, em proletariado, em pequena burguesia, lumpenproletariado etc. Se tomarmos como referência os textos sobre os conflitos na formação social francesa de meados dos anos 1850, você notará que Marx não opera com uma análise binária das classes. É certo que há um marxismo vulgar que entende que as coisas funcionam na base do par ou ímpar, mas não é essa tradição do marxismo que reivindico e aplico em minha análise. Você poderia até argumentar que o conceito de classe social não nos permite analisar o jogo complexo da política, mas, para tanto, teria que apresentar uma alternativa analítica. Resta lembrar, como já salientou Marx, em outro momento, que o conceito de classes e de luta de classes não foi criado por ele, mas pelos liberais. 

Em relação ao item 4, o que tenho a dizer é o seguinte: em nenhum momento, oculto o fato de que Collor e Lula teriam tomado medidas intervencionistas, tampouco eu teria afirmado que ambos os governos não se distinguem em termos de conteúdo de política estatal. Ao ler a minha tese, você novamente confirmará isso. Isso não quer dizer que, enquanto tendência predominante, o neoliberalismo não prevaleça como matriz orientadora da política estatal. A meu ver, o neoliberalismo não se estabelece num espaço vazio. Em cada país, há conflitos e contradições que interferem no conteúdo e na forma como o neoliberalismo é implementado. 

Na prática, não existe de fato uma economia sem intervenção estatal, pois até para implementar o neoliberalismo, faz-se necessária a ação do Estado. Collor e Lula fazem parte de momentos distintos daquilo que alguns chamaram de Consenso de Washington. Collor pode ser considerado o carro abre-alas deste movimento no Brasil; Lula já se insere na apoteose, num processo de forte desgaste do neoliberalismo em nível internacional, mas, mesmo assim, não logra superar o neoliberalismo, restringindo-se a realizar reformas nas franjas deste modelo econômico, estando, desse modo, mais próximo de uma perspectiva social-liberal que se ampara na combinação entre Estado e iniciativa privada (a chamada autonomia inserida, defendida por Peter Evans) do que na satanização do Estado (como fazem os neoliberais ortodoxos), do que da possibilidade de introduzir a política desenvolvimentista (que daria mais ênfase à dimensão do Estado). 

Nesse processo de reformas do modelo neoliberal, interesses de setores empresariais, de classe média e dos trabalhadores organizados e desorganizados que vinham sendo alijados pelas políticas dos governos anteriores, passam a ocupar uma posição mais cômoda na política brasileira. Fortalecem-se. Além disso, a conjuntura do governo Lula é uma conjuntura de maior aproximação entre setores dos trabalhadores e parcelas do empresariado. Isso praticamente não existia no começo dos anos 1990. Não conheço relatos sobre a participação da CUT em atos com Fiesp pela redução dos juros no início dos anos 1990. Já nos anos 2000, exemplos disto saltam aos olhos. Tal aproximação era impraticável no contexto de explosão de greves dos anos 1980 e início dos 1990.

Cabe discutir o economicismo que, supostamente, estaria presente na minha tese. Em meu trabalho, defendo que há uma correlação entre política e economia, e que tais dimensões da vida social se condicionam mutuamente. Nesses termos, se são problemáticas as análises que tratam tudo como epifenômeno do econômico, a tese de que a economia não é relevante para compreender a política é tão limitada quanto tais análises. Quando um setor do empresariado defende a redução da taxa de juros, ele está simultaneamente tomando uma posição política para sustentar um interesse econômico. Quando o Estado adota determinada política de redução ou aumento de impostos, estímulo à produção industrial ou ausência deste, aumento do salário mínimo ou manutenção deste, está também adotando uma medida política que favorece determinados interesses econômicos, prejudica outros, organiza determinados agrupamentos políticos, desorganiza outros.

Espero ter-lhe esclarecido, ainda que precariamente, o meu ponto de vista e, mesmo reconhecendo, nossas divergências teóricas, gostaria de convidá-lo a ler e discutir a minha tese que se encontra disponível na internet [vide link]. 

Obrigado pela atenção e por dar publicidade à minha tese no blog do Instituto Liberal.

Atenciosamente,

Danilo Enrico Martuscelli

Obs.: A matéria assinada por Bernardo Santoro encontra-se neste link.

Sua visita ao nosso blog é o estímulo para que continuemos a produzi-lo. Muito agradecida.


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